sexta-feira, 1 de maio de 2015

“Eu vos saúdo”: o Dia do Trabalhador na distante Teresina de 1906

Por Ronyere Ferreira[1]

O primeiro de maio adentrou em brandas nuvens em Teresina, não se vê festas, manifestações ou reivindicações por parte dos trabalhadores organizados, seguindo-se assim uma tradição na cidade. Contudo, em momentos distantes, quando a capital era um pequeno e provincial centro urbano, existiram concorridos eventos promovidos para os trabalhadores, como é exemplo o primeiro de maio de 1906.
Até onde uma pesquisa inicial sugere, a data começou a ser comemorada em Teresina em meados da primeira década do século XX. Em 1906, Jônatas Batista por meio do jornal O Operário mostrou-se entusiasmado pelas festividades que estavam sendo preparadas, prometendo repetir os bem sucedidos folguedos de 1905.
Neste período buscava-se ainda uma construção dos sentidos para tais comemorações na cidade. Os primeiros significados em torno do primeiro de maio surgiram no final da década de 1880 na Europa, após o fortalecimento dos movimentos operários do continente, sendo um símbolo da luta pela redução da jornada de trabalho para oito horas. Em julho de 1889, em lembrança ao centenário da Revolução Francesa, reuniram-se em Paris operários e intelectuais ligados ao marxismo de vários países, contando com representantes franceses, alemães, ingleses, belgas, russos, entre outros. Esse congresso aprovou a realização de uma manifestação internacional em primeiro de maio de 1890, com o intuito de pressionarem a burguesia simultaneamente.[2]
As manifestações no primeiro de maio de 1890 ocorreram em vários países. Na Alemanha, com o intuito de não incitarem a oposição do governo, o movimento operário decidiu por realizar festas, atitude imitada em outros países, iniciando-se assim o caráter festivo do primeiro de maio. No Brasil, Santos foi a primeira cidade a festejar a data, em 1895.[3]
Em Teresina, as festividades de 1906 foram detalhadamente planejadas e organizadas pela sociedade Aliança Federativa dos Obreiros do Piauí. As primeiras notícias surgiram com dois meses de antecedência, isso por meio do jornal O Operário, que era redigido por Jônatas Batista e M. Saraiva de Lemos. O periódico criou um concurso para a escolha da poesia que serviria de letra para o hino do trabalho, música composta pelo maestro Pedro de Alcântara. Do concurso, saiu-se vencedor Totó Rodrigues.[4]

Nota-se por meio deste periódico a construção de uma idealização do Dia do Trabalhador, fruto da ideologia que revestia o trabalho como uma forma de dignificar o homem, enobrecendo-o, tornando-o concorrente ao crescimento da nação, ideologia que ganhou força após o fim do período escravocrata, quando o labor era considerado algo desonroso. As comemorações da data eram divulgadas como sinais de patriotismo, civilidade e virtude dos homens que lutavam pela vida, cuja essência seria conhecida somente pelas sociedades cristãs, que não mais o viam como um martírio após o castigo divino:
E o trabalho que é uma virtude, desvirtuado no meio dos povos pagãos e das nações onde a luz do evangelho ainda não penetrou, vai-se nobilitando graças à influência benéfica do cristianismo.
O mundo pagão desvirtuou o trabalho e o mundo cristão o santificou.[5]
Nota-se ainda a participação de intelectuais assíduos na imprensa teresinense, na organização e legitimação dessas comemorações, como é o caso de Jônatas Batista, M. Saraiva de Lemos, Benedito Lemos, João da Cruz Monteiro, Zito Batista e o consagrado Higino Cunha, republicano histórico e mestre da mocidade letrada da cidade.
O número do O Operário de primeiro de maio foi todo em glorificação ao trabalho e divulgação das festividades. O periódico Borboleta, do mesmo dia, estampou na primeira página a letra do Hino do Trabalho e dedicou seu editorial a parabenizar os organizadores das festividades:
Na vida amargurada desses paladinos da arte, também há um dia de alegria imensa e de imensas venturas. [...]
Hoje, que passa esse festejado dia fazendo brotar, nos corações dos artistas, a flor de uma alegria santa, é justo que todos se manifestem jubilosos e entusiasmados perante esta nobre causa.[6]
No primeiro de maio de 1906 as festividades começaram ainda pela madrugada com salva de tiros. Na data solene, houve apresentação de espetáculo no Teatro 4 de Setembro, solenidades que contaram com a participação de lideranças políticas, religiosas e civis, além de conferências, cuja principal foi de cunho socialista e elaborada por Higino Cunha.[7]
As festividades contaram com ampla concorrência da sociedade teresinense. Zito Batista, em seu discurso no Teatro 4 de Setembro, louvou a atitude dos organizadores e exaltou a elevada manifestação de civilidade dos trabalhadores que se organizavam em algumas sociedades.
Dias longínquos os de 1906, poucas vezes vistos na jovem Teresina, cuja dinâmica da vivência capitalista faz com que o dia se passe como um simples feriado, sem festas ou reivindicações. Por fim, correndo o risco de cair na pieguice, faço das palavras de Zito, as minhas: “eu vos saúdo, eu vos saúdo trabalhadores altivos! Eu vos saúdo”.[8]


[1] Graduando em História pela Universidade Federal do Piauí e bolsista do núcleo de Pesquisa em Memória – NUPEM/UFPI.
[2] ROIO, José Luiz Del. A história de um dia: primeiro de maio. São Paulo: Ícone, 1998. p. 37-38. 
[3] ROIO, 1998, p. 51-52. 
[4] Sobre o concurso, conferir: CONCURSO. O Operário, Teresina, ano 1, n. 3, 18 mar. 1906, p. 1; RODRIGUES, Totó. Hino do Trabalho. O Operário, Teresina, ano 1, n. 6, 8 abr. 1906, p. 1. HINO do trabalho. O Operário, Teresina, ano 1, n. 6, 8 abr. 1906, p. 3.
[5] FERNANDO, C. O Trabalho nobilitado. O Operário, Teresina, ano 1, n. 8, 1 maio. 1906, p. 3.  
[6] AOS OBREIROS do Piauí. Borboleta, Teresina, ano II, n. 20, 1 maio. 1906 , p. 1.
[7] PROGRAMA, O Operário, Teresina, ano 1, n. 8, 1 maio. 1906, p. 3
[8] BATISTA, Zito. Discurso. O Operário, Teresina, ano 1, n. 10, 13 maio. 1906, p. 3.

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